Episódio 3:
Sentado à sombra de uma árvore, em posição de rei do cacau, Tarzã conversava com duas meninas:
— É mesmo? E aí, o que você fez?
— Bom, quando eu vi que a garota não ia entrar e eu tava prestes a passar a noite preso numa boate vazia com o cara do óculos e gravata borboleta, eu decidi mandar um caô e sair sem pagar. Fala sério que eu, brasileiro, sarado e pagodeiro, ia morrer em trinta reais por uma coca-cola. Cheguei no balcão e perguntei pra menina: “Quem é o gerente do lugar?” Ela apontou prum cara baixo de bigodinho. “Beleza, como é o nome dele?” “João.”
Cheguei lá, botei a mão no ombro do cara e disse: “Jão, é o seguinte, eu sou o Gelson, da rádio Globo e eu tô com um problema. Eu fui convidado pruma festa, só que a festa não vai acontecer e a aniversariante tá indo embora. Eu fiquei aqui menos de meia hora e só consumi uma coca-cola. Você não vai me fazer pagar trinta reais de consumação pra sair daqui, vai?
— E ele, Tarzã? O que ele fez?
— O cara olhou bem pra mim, sentiu a minha mão no ombro dele e perguntou: “Gelson, né? De onde mesmo?” “Rádio Globo.” “Então faz o seguinte: fala lá com a mocinha do caixa que eu mandei liberar a sua consumação, você pode pagar só o que consumiu.” “Então valeu, Jão.” Fui até o caixa, pedi mais uma coca-cola e fui embora.
— Ai, que máximo! Mas você não ficou com medo dele te pedir crachá ou alguma coisa?
— Porra, e jornalista anda com crachá em festa? E o cara nem é besta de fazer isso com um cara com o dobro da altura dele que ainda por cima tava segurando ele pelo ombro.
— É mesmo. Ai, meu deus, a gente tem que ir pra aula. Tchau, Tarzã, a gente se vê mais tarde.
— Tchau, meninas. Se cuidem.
Nisso, ele reparou que Charlie vinha descendo as escadas em sua direção.
— E aí, Charlie, sentaí. Suequinha?
— Hoje não, valeu. Não sabia que você conhecia as calouras.
— Essa turma é legal. Sabe a de vermelho que tava aqui? Gente boa, peguei na festa de calouros. Já a amiga dela eu não conhecia, tô pensando em pegar hoje à noite.
— Cara, como é que você faz isso?
— Isso o quê? Pegar mulher?
— É...quer dizer, não, isso eu sei. Mas você faz parecer tão fácil. “Peguei essa, vou pegar aquela”, coisa e tal.
— Sei lá, acho que é prática. Mas caloura é outra categoria, elas tão loucas pra se integrar, são mais receptivas, se é que você me entende...
Charlie imaginou um lobo com a cara do Tarzã rondando um rebanho de ovelhas de calças justas e sandálias de salto alto. A imagem era tão ridícula quanto perturbadora. Ele tentou pensar em outra coisa.
— Mas e se eu estiver interessado numa ove...quer dizer, caloura específica?
— Ih, problemas com mulher? Pode contar pro titio aqui.
— É que tem uma menina aí que eu tô meio afim, mas não sei se rola.
— Sei, a Trakinas.
— Peraí, como é que você sabe?
— Charlie, eu te conheço. Além do mais, você baba quando ela passa. Tem que ser cego pra não saber.
— Você acha que ela sabe?
— Não, acho que não. Ela é meio desligada. Mas e aí, se você tá afim dela, não chegou nela por quê?
— Ainda não tive oportunidade.
— Sei...
— Mas tô pensando em fazer isso hoje.
— Então vai lá. Ela passou por aqui antes de você chegar.
— Não, cê tá maluco? Agora não. Eu tava falando da festa.
— Charlie, Charlie, olha o mole que você tá dando. Eu já te disse que pra garotas como essa, quanto mais rápido melhor.
— Eu sei, mas eu queria ter certeza.
— Certeza de quê?
— De qualquer coisa. Eu queria saber o que ela acha de mim, se eu tenho alguma chance ou não. Não tô afim de levar um fora assim de graça.
— Esse é o seu problema. Você valoriza demais a mulher. Você não tem que pedir uma chance. Tem é que oferecer pra ela a chance única de ficar com você. Tem que deixar claro que se ela recusar, vai sair perdendo. Se você pensar ao contrário, essa menina vai acabar virando uma deusa inatingível na sua cabeça, e tudo que você fizer vai parecer pouco. Você vai perder tanto tempo querendo ser perfeito que vai acabar não fazendo nada.
— É?
— Confie em mim, eu já passei por isso. Chega lá e manda um plá nela. Que que você tem a perder?
— Dignidade, auto-estima, essas coisas.
— Ela não pode fazer nada que você não queira. Não sinta pena de você mesmo, que ela também não vai sentir.
— Mas e se eu tiver apaixonado por ela? O que eu faço?
— Sinceramente? Sai dessa. É só o que eu posso te dizer.
“Tarde demais”, pensou Charlie. Aliás, foi só isso que ele conseguiu pensar todo o caminho de casa. Fazia no mínimo uma semana que ele estava perdida e irremediavelmente apaixonado pela Trakinas e não havia nada que ele pudesse fazer a respeito. Absolutamente nada. E Charlie sabia exatamente o que acontecia quando ele tentava falar com mulheres por quem ele estava apaixonado.
Primeiro ele ficava vermelho da cabeça aos pés. Depois começava a sorrir do jeito mais sem-graça possível. Os próximos passos eram engasgar, suar frio e sair correndo, não necessariamente nessa ordem. Na verdade, ele até conseguia falar com elas, desde que fosse sobre o tempo, a pesca de caranguejos no Alasca ou qualquer assunto que não tivesse nada a ver com seus próprios sentimentos.
Não que ele fosse um imbecil completo: quando não estava sobre pressão, Charlie era uma cara bem carismático. As pessoas tinham uma tendência a gostar dele gratuitamente. O que, infelizmente, era meio caminho andado na estrada do “amigo” e Charlie estava cansado de virar amiguinho das mulheres por quem ele se apaixonava. Mas agora ele era um novo homem e ia impedir que isso acontecesse a qualquer custo.
Charlie começou a planejar a noite em sua cabeça. Se imaginou chegando na festa, as pessoas conversando, se divertindo, a música tocando e a Trakinas lá no meio, com as amigas. “Como ela é linda, meu deus, uma mulher dessas nunca vai querer nada...calma”, pensou Charlie, ”assim não vai dar, preciso pensar positivo. Ela vai estar lá, eu vou andar até ela e...E o quê?”
Charlie se deu conta de que não tinha a menor idéia do que ia dizer. Ele sabia o que queria dizer, mas achava que “eu te amo” não era o melhor jeito de começar uma conversa com uma menina que ele só conhecia há um mês e com quem só tinha trocado meia dúzia de palavras e umas piadinhas. Ele pensou em todos os seus fracassos amorosos anteriores e percebeu que nunca tinha chegado a esse ponto. As poucas vezes que Charlie tinha se aproximado dos seus objetos de paixão em todos seus 20 anos, ele nunca tinha conseguido se declarar para elas.
“As pessoa fazem isso todo dia, não pode ser tão difícil. É só chegar lá e dizer: Trakinas, tô te querendo. Hum... Acho que isso não vai dar certo. Isso seria tão mais fácil se ela soubesse que eu tô afim dela. Será que ela sabe? E se alguém contou e ela e todos os amigos tiverem dado boas risadas às minhas custas? Putz, e os amigos vão estar todos lá, assistindo a eu meter os pés pelas mãos. Ela muito vai rir da minha cara, isso se ela não chegar na festa com um cara de dois metros de altura e três metros de largura que vai me achatar como uma panqueca. Eu não tenho a menor chance. Tô começando a achar que ir nesse troço não é uma boa idéia.”
Nisso, toca o telefone:
— Alô?
— E aí, Carlitos? Já trocou a cueca pra festa?
— Oi, Samuel. Tudo bem?
— Beleza. Olha só, eu tava pensando em ir praí antes da festa que é mais fácil pra mim. Pode ser?
— Olha, cara, eu acho que não vou nessa festa não.
— O quê?!? Fala sério. Por que não?
— Ah, sei lá, não tô no clima, quero ficar em casa. Além do mais, vai passar um festival Peter Sellers na TV que eu quero assistir.
— Porra, Charlie, você vai perder a festa pra ficar assistindo TV?
— Não é TV. É o Peter Sellers.
— Podia ser o Peter Parker comendo a Sharon Stone que eu ainda não ia aceitar essa desculpa tosca.
— Não tô afim de ir na festa, porra. Me deixa.
— Bom, você tem duas opções: ou você vai na festa comigo, ou eu vou sozinho e bato um papo com a Negresco.
— Trakinas.
— Uaréver. Aposto que ela ia gostar de saber umas histórias suas. Tipo a do...
— Ok, ok, você venceu. Eu vou na festa. Não precisa fazer ameaças. Pode passar aqui.
— Bom menino. A gente se vê então.
“E agora? Eu vou estar lá, a Trakinas vai estar lá e eu não vou fazer nada como o covarde que eu sou. Não vou nem dizer “oi” se ela não disser primeiro. Aliás, vou fingir que ela nem está lá e vai ficar tudo bem.”
E assim o resto da tarde passou, muito lentamente, enquanto Charlie tentava não pensar na garota que teimava em não sair de sua cabeça. Sua última esperança era que ela mudasse de idéia e decidisse não aparecer. Isso ou uma catástrofe natural de proporções épicas que cancelasse aquele diabo daquela festa.
Continua...
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21:57
As cinzas da vovó
A história a seguir foi completamente inventada por mim. Qualquer semelhança com fatos ou acontecimentos reais é...huh...mera coincidência. É isso aí.
Dona Ioná era uma senhora de idade avançada, mas perfeitamente lúcida. Sentindo que o seu tempo por aqui estava acabando, ela resolveu deixar tudo arranjado para não dar trabalho aos parentes na hora de sua morte. Decidiu que queria ser cremada, por isso foi até o cartório e preencheu todos os papéis referentes à cremação. Fez um testamento bem claro, explicando exatamente onde queria que suas cinzas fossem jogadas. Depois, passou os últimos anos de sua vida etiquetando cada ítem de sua casa com o nome da pessoa que deveria recebê-lo. Dona Ioná era muito metódica, além de mórbida.
Algum tempo depois desse esforço todo, a velhinha finalmente bateu as botas. Ela teria ficado muito satisfeita em saber que tudo correu segundo os planos dela e a cremação foi um sucesso. O único neto ficou encarregado de pegar as cinzas e dar a elas o fim escolhido. Antônio, neto de Dona Ioná, saiu do trabalho, apanhou as cinzas e foi para casa. Estacionou o carro na garagem e deixou a vovó passando a noite no porta-malas.
Na manhã següinte, sua esposa acordou cedo e pegou o carro para levar as crianças à escola. No caminho, começou a ouvir barulho de alguma coisa batendo no porta-malas. Quando chegou em casa, informou ao marido que seu carro estava fazendo barulhos estranhos. Antônio, desesperado, correu até o carro para ver se vovó estava bem, deixando sua esposa plantada no meio da cozinha. Abriu a mala e respirou aliviado ao ver o potinho branco (muito parecido com o de sorvete Kibom, por sinal) intacto na mala. Foi se vestir para o trabalho planejando despejar a vó no caminho.
Quatro dos lugares que Dona Ioná tinha escolhido como descanso final eram de fácil acesso e não seriam problema. Já o quinto era mais complicado: uma casa em que ela tinha morado na juventude, que agora tinha outros moradores. Antônio não se sentia comfortável com a idéia de bater na porta de um estranho e dizer: "Olá, posso jogar um pouquinho da minha vó ali no canto?", mas chegando lá, teve uma idéia que o pouparia desse ridículo. Antônio resolveu simplesmente jogar as cinzas por cima do muro, no jardim, sem que ninguém percebesse. Parou o carro, foi até o muro, abriu o potinho, pegou um punhado de Dona Ioná e lançou. Tudo teria dado certo, se não fosse o pequeno detalhe do vento. Antônio nem se preocupou em checar a direção do vento, que por acaso estava contra ele naquele momento. Uma grande parte de vovó acabou voltando e indo para o trabalho junto com ele. No final das contas, vovó acabou indo parar na máquina de lavar, onde deve estar até hoje, pelo menos em parte.
Moral da história: Nunca faça planos, sempre cheque a direção do vento e mantenha sua máquina de lavar bem limpinha.
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23:47
"No começo é ruim, depois vai piorando, piorando, piorando..." - Seu Hamilton"
A vida é assim mesmo. Nada é tão ruim que não possa piorar. Eu vivia resmungando que a Fluminense FM, única rádio remotamente decente do Rio, tocava muita porcaria e repetia muito as músicas. Pois é, saudades desse tempo. Um dia, sorrateiramente, como quem não quer nada, a Fluminense começou a infiltrar MPB na programação. Um pouco de Marina Lima aqui, um Ed Motta ali. Aliás, essa música nova do Ed Motta é uma pérola. O título, para quem não sabe, é "Tem espaço na van". Sim, isso mesmo. Como alguns podem não estar familiarizados com as sutilezas da linguagem poética, explico que o autor quis dizer que há uma vaga na kombi ou micro-ônibus. Entenderam agora? Tem espaço na van. É complicado, eu sei.
Já o belo refrão da música, todo em versos decassílabos, diz:
"Se arruma, aqui que tá bom, aqui tá dez.
Se arruma, tem espaço na van, tem espaço na va-an."
Aposto que o Vinícius está se babando de inveja por não ter pensado nisso antes. Também, na época dele não tinha van, ou pelo menos não com esse nome americanizado colonialista vendido. Mas digressiono, digressiono.
Voltando à questão da rádio Fluminense, começou assim, devagar. Depois, veio uma enxurrada de Adriana Calcanhoto. Logo, logo estávamos até os ouvidos de Luciana Mello. Daí para o Elton John foi um pulo. Então ficou claro que o plano sórdido deles desde o princípio era atrair um legião de fãs incautos de rock e deixá-los viciados com os seus rádios sintonizados na Fluminenese, e só aí transformá-la em mais um das inúmeras rádios de "soft-rock-baba-mela-cueca-música-de-consultório-médico" como a Globo FM. Eu sinceramente não sei o que eles ganham com isso, mas também não me importo. Eu já passei meses tendo que escutar a incrível programação vespertina da Globo FM (composta basicamente de dois programas que se repetiam ad infinitum: o bloco "Hits pop melosos dos anos 80" e o bloco "Cantoras brasileiras lésbicas") diariamente, tempo que serviu para que eu descobrisse coisas muito importantes a meu respeito, como por exemplo que eu odeio Ana Carolina e Kenny G igualmente. Portanto, Fluminense Fm: nunca mais, para mim chega. Eu não preciso de vocês para ouvir música mesmo. Eu tenho um monte de CDs e não tenho medo de usá-los.
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22:52